segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Intercâmbio na UMinho – o que aprendi – parte I

Todos sabem que um intercâmbio de estudo não se resume somente ao estudo – ganha-se experiência de vida, conhece-se lugares, etc e etc. Sim, ganhei muito em termos pessoais, mas nesse blog vou falar da minha experiência acadêmica (para dicas gerais sobre viagens, fiz outro blog, o Europa para Poupadores).

Mesmo falando da experiência acadêmica, ainda assim é difícil resumir, e o que aprendi não vai se limitar a esse post. Está em todos meus outros posts anteriores sobre a UMinho, e refletirá em todos daqui para a frente, ainda que eu nem fale no meu intercâmbio, na UMinho ou em Portugal.

Em janeiro desse ano, fui contemplada com uma bolsa do programa ISAC-Eramus (leia o post sobre). Ela cobriu um semestre de graduação na Universidade do Minho, e parti no final de fevereiro e voltei no começo de agosto. Cursei o que se refere ao segundo semestre europeu, pois o primeiro vai de setembro a janeiro, e o segundo, de fevereiro a julho. Lá pude assistir a várias matérias, para depois definir meu plano de estudos – as que eu iria realmente cursar.

Para decidir as que eu iria assistir, olhei antes a lista das matérias, que não mostrava o ano que cada qual se referia, apenas os nomes das disciplinas. Pelos nomes, escolhi mais de dez. Cortei algumas e consegui selecionar apenas seis. Depois de assistir às seis, gostei de todas. Uma era do primeiro ano, “Neurociências Cognitivas”, outra era do segundo ano, “Laboratório de Cognição Social”, e as outras quatro eram justamente todas as obrigatórias do segundo semestre do mestrado em psicologia experimental (para quem não sabe, lá o mestrado é integrado, nos dois anos seguintes aos três da licenciatura. Saiba mais no post sobre grade curricular). Essas eram: “Laboratório de memória humana”, “Laboratório de linguagem”, “Metodologia e análise de dados em psicologia experimental” e “Comportamento e cognição animal”.

Como tinha gostado de todas resolvi cursá-las, porém descobri que passavam dos créditos máximos permitidos pela universidade, que eram 35 por semestre. Cada matéria tinha 6 créditos, então eu estava com um total de 36, passando do limite. Conversei com a minha coordenadora, responsável por aprovar meu plano de estudos, e mostrei a ela quão importante era para mim estar ali e cursar todas essas matérias. Ela entendeu, disse que ninguém poderia impedir alguém que quer estudar de estudar, daí conseguiu a aprovação do Gabinete de Relações Internacionais (GRI) para que eu cursasse mais créditos que o permitido.

No GRI, falaram-me que se eu pegasse quatro matérias já estava bom, que eu deveria pegar cinco se quisesse estudar muito, e que seis era inviável. Insisti, disse que na USP eu cursava até dez matérias em um semestre, e eles aceitaram. Confesso que na hora achei que eles estavam exagerando com relação aos cuidados com o excesso de créditos, porque considerei que seis matérias não era muito, afinal na USP eu realmente costumava fazer muitas, mais do que seis com certeza. Só depois de um tempo é que percebi do que eles estavam falando...

Voltando um pouco na história, confesso também que antes de ir para a UMinho eu tinha algum preconceito com relação à universidade e à Portugal. Acho que isso infelizmente, acontece muito com os brasileiros, talvez pelas piadas de português, por desconhecimento, acabamos tendo preconceito. A UMinho não é uma universidade conhecida, eu mesmo nunca tinha ouvido falar dela antes de optar na hora da bolsa. Escolhi Portugal porque eu tinha que ser fluente na língua. As universidades mais conhecidas de Portugal são a de Lisboa, Porto e Coimbra. Eu podia escolher entre Coimbra e a do Minho. Optei pela última pelos títulos das matérias, que me interessaram mais. Depois de ter conseguido a bolsa, fiquei me perguntando se tinha mesmo sido uma boa escolha. Portanto, cheguei à Portugal com baixas expectativas.

Minhas primeiras impressões sobre as aulas foram as melhores possíveis. Achei os professores super novos, e muito bons. A única matéria que era em uma sala grande, de mais de 50 pessoas, era a “Neurociências Cognitivas”, para o primeiro ano. Nessa aula havia um pouco de conversa paralela entre os alunos, o que eu não gostava muito. Mas nas demais, eram grupos pequenos, de menos de 15 pessoas, e em salas com computadores. Cada aluno se sentava em frente a um computador. Fiquei impressionada com essa infra-estrutura.

Depois descobri que havia o uso de um sistema online, o e-learning (leia mais no post). Na primeira semana, recebi os programas das matérias. Minha sensação era de estar em um lugar muito moderno. Senti-me, pela primeira vez, na psicologia do século XXI.

Cabe aqui um parêntesis. Muitos devem saber que faço algumas críticas ao curso de psicologia da USP. Gostaria de esclarecer que o curso tem suas qualidades e seus pontos fracos, como em qualquer outro lugar. Para mim, em especial, não é um curso adequado, para o que gosto de estudar e para o que almejo em minha carreira. Para outras pessoas, pode ser um curso ótimo. Por isso, queria deixar claro que essas são as minhas impressões sobre a psicologia da USP, que estão longe de ser gerais, pois há pessoas que não gostam, outras que gostam mais ou menos, outras que adoram.

Minhas principais críticas ao curso de psicologia da USP são o viés excessivo de matérias na área da clínica, de orientação psicanalítica. A carga de matérias obrigatórias vinculadas à clínica psicanalítica é absurda. As optativas não passam longe disso. Tive que passar os anos da minha graduação estudando psicanálise sem ter o mínimo interesse, enquanto podia ter me dedicado ao que realmente importa e é relevante para mim. Isso seria possível com um currículo mais aberto, que contemplasse mais áreas, com uma menor carga de obrigatórias e com mais opções nas chamadas erroneamente de “optativas” (porque sua carga horária é pesadíssima, e com poucas opções, ou seja, viram “optatórias”). Outra crítica é quanto à atualidade do que lemos. Os textos são antigos, muito antigos. Nada contra, claro que é necessário ler originais, muitas vezes. O problema é ficar restrito nisso. Eu praticamente nunca tive que ler nada da década de 90 para frente, na USP. É considerada uma universidade voltada para a pesquisa, mas eu discordo, pelo menos no curso de psicologia. O incentivo à pesquisa existe, mas ainda é muito fraco e construído sobre bases fracas.

Voltando à UMinho, minha história de intercâmbio é uma história de quebra de preconceitos. Cheguei achando que a universidade era inexpressiva e de pouca qualidade, e me enganei. Para minha surpresa, lá encontrei a psicologia que sempre quis. Senti que estavam ali quase todas as minhas idéias sobre o que deveria ser o curso, mas que eu nem mesmo cheguei a pensar claramente. Senti uma mistura de surpresa e alívio. É bom quando você não se sente mais um peixe fora d´água.

O que a UMinho tinha de diferente?? Bem, várias coisas. Vou listar algumas delas.

1 – Estrutura do curso. Gostei muito da liberdade dada ao aluno desde o início, em que ele pode optar pelas matérias que vai fazer, tendo que escolher por um tanto de cada área. (Leia mais em grade curricular). O mestrado integrado é muito bom, pois nos dois últimos anos você já está se especializando e se dedicando exclusivamente ao que gosta. Com cinco anos de graduação, como no Brasil, você é obrigado a agüentar por 5 anos estudar várias áreas que, em determinado ponto, já sabe que não se identifica. A psicologia é um campo heterogêneo. Tem muita coisa, muitas linhas teóricas, muitos autores, muitas formas de intervenção, de pesquisa. É esperado que o aluno de aproxime mais de uma área. Com o mestrado integrado, o aluno encurta o tempo de contato com as várias áreas e depois já se dedica ao que gosta. Sim, claro que nem tudo é mil maravilhas. Existem críticas a esse sistema. Conversando com alunos de lá, as principais críticas são que isso encurta o tempo de contato com as áreas, e o aluno indeciso fica prejudicado. A acusação é a de que isso diminui o tempo de estudo, apressa-o, o que pode ser prejudicial. Eu concordo um pouco com isso. Por outro lado, penso que é importante um direcionamento, porque aqueles, como eu, que decidem por uma área, ficam extremamente prejudicados com uma graduação longa.

2 – Modernidade. Com isso quero falar tanto da infra-estrutura, como as salas com computadores, quanto com relação ao material. As salas com computadores são usadas da seguinte forma: na graduação, normalmente o professor pede para entrarmos em sites, para vermos alguma coisa, por exemplo, no laboratório de cognição social entrávamos em sites de pequisa em inglês, para vermos como são feitas pesquisas nessa área. Respondíamos a algumas online, e discutíamos como eram feitas, seus objetivos e se eram atingidos. Nas aulas do mestrado, usávamos o Excel ou outros softwares para aprender a fazer pesquisa, seja tabular ou analisar dados, seja montar o experimento. Quanto ao material, os textos lidos são muito atuais. Isso não significa que é condenado que se leia algo antes dos anos 2000, claro, mas o grosso do que é lido é de 2000 para cá. Isso, para mim, foi uma novidade atordoante. Por exemplo, no laboratório de cognição social, do segundo ano, nós tivemos que ler um especial de uma revista científica sobre cognição social. Eram oito artigos em inglês, de 2008. Inacreditável. Fiquei tão feliz que poucos podem imaginar. Sabe o que é se sentir, finalmente, estando com o mundo? Falar a língua que o mundo está falando, dos temas que os cientistas relevantes estão falando? Na USP, praticamente não me lembro de ter que ler um artigo científico para uma matéria obrigatória, muito menos em inglês, muito menos um texto atual.

3 – Uso da língua inglesa. Todos os textos que tive que ler na UMinho, sem exceção, eram em inglês. Os professores muitas vezes usavam slides em inglês. Todos os trabalhos podiam ser entregues em inglês. Isso servia a uma dupla função, a primeira era a de facilitar a vida dos intercambistas, que vinham de vários lugares do mundo e que muitas vezes não eram fluentes em português. A segunda era a de incentivar os alunos a usar o inglês, que é a língua da ciência. Achei isso impressionante, muito bom. Se eu tivesse que ter lido textos em inglês desde o começo da minha graduação, hoje estaria muito melhor nisso, o que teria facilitado absurdamente minha vida. Na USP, os professores têm certo receio de dar textos obrigatórios em inglês, porque nem todos os alunos sabem. A meu ver, isso é um equívoco, porque dar textos em inglês incentivaria os que não sabem a procurar saber, e não nos privaria de ler material de qualidade, pois muitos deles estão em inglês (atenção, eu disse muitos, não todos!).

4 – Avaliação contínua. Eu sempre considerei que a avaliação de uma prova só no final de uma disciplina era algo completamente inadequado. Na UMinho, há uma avaliação contínua do aluno, o que nos obriga a sempre estar estudando, a sempre estar a par da matéria! A partir da segunda semana de aula, cheguei ao cúmulo de realizar no mínimo uma prova por semana, isso até o último dia de aula. As avaliações são feitas através de provas (que são chamadas de mini-testes), trabalhos, seminários e participação em aula. O que importa é que são feitas continuamente, sempre nos mostrando onde temos que melhorar, e nos dando chance para tal. Outro fator importante é a rigidez na correção. Os professores são muito rígidos na correção sim. Se você faz algo meia boca, vai receber uma nota meia boca. Não há nota por dó. Isso é importantíssimo. Dá para perceber que estão preocupados em formar bons alunos. Não querem nos passar por passar. Querem que realmente sejamos bons profissionais, que mostremos que aprendemos, não querem ver enrolação. “Encher lingüiça” não funciona na UMinho, pelos menos não nas matérias que fiz. Percebi que os professores super estimam os alunos, cobrando muito deles, de modo a sempre “puxá-los” para cima. O nivelamento é por cima, e não por baixo. Incrível!

Bom, vou parar por aqui a parte I, que já está longa. No próximo post continuarei a falar da minha experiência de intercâmbio.

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